domingo, 3 de agosto de 2008

Apocalypse Now: História e Contexto

Introdução

Um filme e sua época. Este texto tem como objetivo fazer um estudo do filme Apocalypse Now de Francis Ford Coppola, sobre a Guerra do Vietnam, fazendo, também uma análise do contexto onde foi produzido.

Não pretendo esgotar o assunto, visto que é muito vasto, mas gostaria de chamar a atenção para alguns fatores, como o desenrolar da história, sendo contada em três partes distintas, a subida pelo rio Nung, o encontro com os colonos franceses e o encontro com o Cel. Kurtz; pretendo também, explorar o contexto da produção, o final da década de 1970, quando da perda da influência da “nova esquerda” norte-americana e o retorno ao poder dos grupos conservadores de direita.



A História e seu Contexto

Dirigido, produzido e escrito por Francis Ford Coppola, o filme narra a história do Capitão Willard em uma missão secreta para eliminar o rebelado Coronel Kurtz. A história se passa no Vietnam e no Camboja, mais ou menos entre 1969 e 1970, quando o exército norte americano no Vietnam já apresentava séria degeneração.

A campanha norte americana no Vietnam fez parte de uma política expansionista dos EUA, numa fase iniciada logo após a II Guerra Mundial, quando o mundo se viu dividido entre dois grandes blocos: os capitalistas, liderados pelos EUA, que surgiu como a grande superpotência mundial depois do conflito mundial, muito em função de operar uma indústria bélica no referido evento, sem, no entanto, ter seu território como parte do palco de batalha; e do outro lado o bloco socialista liderado pela URSS. Era a chamada Guerra-Fria.

Após a retirada japonesa da região do Vietnam, a França reforçou sua presença, na esperança de manter parte do seu poder através da velha política colonialista, que já apresentava um declínio após a II Guerra. Porém sobe ao poder o governo Ho Chi Minh que tenta negociar uma retirada pacífica com a França. Esta se recusa e leva a disputa a uma série de conflitos, que culminam com uma derrota humilhante para França em Dien Pien Phu em 1954[1]. Neste momento, seguindo uma política de hegemonia e tentando evitar uma escalada comunista, já que o governo Ho Chi Minh era aliando dos chineses e conseqüentemente dos soviéticos, os norte-americanos aumentam sua influência local e apóiam a subida ao poder do governo Diem, herdeiro no Vietnam do Sul, dos franceses, já que o norte estava dominado por Ho Chi Minh e no Sul as forças guerrilheiras, conhecidas como viet congs, misturadas em meio à população rural escaramuçavam o tempo todo as tropas sul-vietnamitas. Porém, diante de grandes desavenças do governo Diem com vários grupos: camponeses, trabalhadores urbanos, budistas; bem como com a grande corrupção e o desrespeito às liberdades, contra-senso ao discurso norte-americano ocidentalizante e libertário[2] e em 1965, “Face à instabilidade da política interna, e das crescentes deserções do Exército de Saigon, Johnson [presidente dos EUA de então] resolve desencadear a escalada para evitar a derrota...”[3] o que leva ao Vietnam 600 mil soldados até 1968, número que no início da escalada era de 25 mil.

A guerra prossegue com alguma anuência da opinião pública norte-americana, até 1968, quando já minadas as forças terrestres, por não conseguirem uma acachapante e breve vitória como havia sido prometida pelos generais, acontece a ofensiva do Tet, o ano novo lunar, quando todas as cidades do Vietnam do Sul e as bases norte-americanas mais estratégicas são atacadas simultaneamente. Embora este ataque não tenha representado uma vitória militar definitiva, mesmo porque houve sérias baixas[4], representou antes de tudo o alto poder de organização e destruição do povo vietnamita, bem como a incapacidade de dominar e manter o terreno por parte dos EUA.

A opinião pública se volta contra a guerra, o ano de 1968 é marcado por uma série de eventos que trazem um forte questionamento a cerca da validade desta guerra, bem como uma visão mais consistente das esquerdas, inclusive da esquerda norte-americana. No palco de batalha os soldados começam a sentir fortemente os efeitos da mudança de postura da opinião pública, bem como o desgaste de lutar uma batalha interminável, o inimigo está em todos os lugares e ao mesmo tempo em lugar nenhum, “... os freqüentes massacres da população civil vietnamita por tropas americanas... além do grande impacto no Vietnã, afetam o moral de muitas tropas americanas, bem como da opinião pública...”[5]. Estes e outros problemas e entraves, como a luta anti-belicista, contra o serviço militar obrigatório, o grande contingente de negros e brancos pobres recrutados a força, o que espaçava os períodos de baixa do serviço militar, segundo o Cel. Kurtz, personagem do filme “Nossos praças e oficiais passam em média um ano no Vietnam, não são peritos nesta guerra e sim turistas... Com tal que cerveja gelada, sexo, rock’n roll e comida são o normal e o esperado por eles... Precisamos de menos homens, mas mais dedicados...”[6] Esta falta de perspectiva e erros estratégicos lança os combatentes ao vício do álcool e de drogas para tentar sublimar o sofrimento.

Este é o contexto da história do filme, que apresenta o Capitão Willard como um combatente que estava em Saigon perdido e alcoolizado devido a uma aparente neurose de guerra. Ele é convocado para uma missão secreta; localizar e eliminar o Cel. Kurtz. Ele é posto a bordo de uma lancha, com o codinome de Street Gang, bem conveniente para a tripulação da mesma, dois negros pobres, um branco pobre sulista e um famoso surfista que não sabe o que está fazendo naquele lugar.

A primeira parada deles é no meio do teatro de operações de uma brigada de cavalaria aerotransportada, comandada pelo Ten. Cel. Kilgore, um sádico que dizima inimigos e civis ao som da Cavalgada das Valkírias de Richard Wagner, identificado muitas vezes com a doutrina nazista na segunda guerra mundial. Tal alusão é significativa, pois apresenta um comandante que opera “legalmente” suas tropas, apresentando, porém um comportamento patológico próximo ao descrito do Cel. Kurtz. Qual a fronteira entre os dois, apenas a adesão a uma política norte-america, o que fica claro em seu gesto caricato de surfar em pleno bombardeio e de oferecer ajuda como amigo da população local.

Logo na seqüencia a Street Gang sobe o rio Nung[7], numa viagem psicodélica com lances surreais, como o encontro deles com o helicóptero danificado das playmates que faziam uma turnê de “divertimento” para os combatentes.

Durante a subida, um dos tripulantes do barco é morto, Bubba ou Clean, o negro que veio de um buraco do Bronx e a chegada em terras de colonos franceses que ainda mantêm a força suas posses. Este evento é carregado de simbolismos intencionais ou não, como por exemplo o enterro de Clean, quando o Chef o outro negro entrega uma bandeira dilacera dos EUA para o Cap. e diz “Capitão, aceite a bandeira de Tyrone Miller em nome de uma nação agradecida...”[8], lembrando as mortes em vão, principalmente de negros e brancos pobres, através de uma nação com a imagem suja e dilacerada. Outro evento notável neste ponto é o discurso dos franceses que repelem onda após onda de ataques, tanto dos orientais como de norte-americanos, uma alusão ao conluio dos EUA para expulsá-los de lá e garantir o bloqueio da influência das URSS através de uma política intervencionista, opinião esta ratificada pela fala do líder da comunidade francesa: “... é verdade, os vietcongs foram inventados pelos americanos... nós lutamos por algo, enquanto vocês americanos lutam pelo maior nada da história...”[9]. Estes eventos, mais a leitura do dossiê sobre o Cel. Krtuz, começa a transforma o Cap. Willard em uma pessoa atormentada quanto a sua opinião sobre o Cel.

Subindo mais o rio, já no Camboja, a lancha encontra o acampamento do Cel. Kurtz, que é uma espécie de guru que diz o que deve ser feito a suas tropas e um grupo de nativos. Ele expressa uma suposta pureza da guerra, feita de forma justa, muito embora o critério de justiça fosse o dele. Defende uma guerra autônoma, sem interesses e mentiras dos políticos e generais. Ele faz alusão a um quebra-cabeças que o Cap. Willard veio juntando ao longo do caminho para encontrar o Cel. que é o jogo político de Washington e do Pentágono. Willard é capturado e passa por uma lavagem cerebral. Por fim, graças às situações vividas e das informações recebidas pelo Cel., entende que tem que matar este, que estava doente e levar a frente sua missão.

O filme procura fazer-nos questionar o ponto de vista americano sobre o Vietnam, mas ao mesmo tempo não desmitifica a questão da derrota norte-americana, pois as feridas ainda estavam muito dolorosas.


A Produção e seu Contexto

Um filme diz mais do seu tempo do que do tempo que pretende retratar e parece ser esta a impressão de quem vê Apocalypse Now e coteja com a história dos EUA no final da década de 1970, início da década de 1980.

Esta época é marcada nos EUA por um declínio da chamada nova esquerda americana, nascida nos movimentos de valorização da juventude, nas universidades; nos movimentos negros; nos movimentos sociais e nos movimentos feministas. Esta nova esquerda foi responsável pelo questionamento do American way of life, que prega uma democracia liberal aliada a uma economia liberal de mercado. Com o mérito de ser o discurso da camada WASP (Withe, Anglo Saxon and Protestant) da população americana é marcado por ser a materialização da pré-destinação dos estados unidos como lugar dos vencedores e daqueles que se fazem com os próprios esforços. Essas esquerdas questionavam esta postura, lutando por mais conquistas sociais, herdeiras que eram das tradições comunistas dos antigos sindicatos de trabalhadores das décadas de 1920 e 1930; bem como defensoras dos movimentos negros que surgiam, depois de quase cem anos de um período frustrado para os negros pelas perdas políticas verificas ao final do período da reconstrução. Porém, esta esquerda começava a perder terreno novamente com a crise do petróleo de 1973, que reconduziu ao poder grupos conservadores e culminou com a eleição do presidente Ronald Reagan, trazendo um controle do mundo cultural e ideológico norte-americano. Este período ainda vivia o auge da guerra-fria e, segundo Eric Hobsbawn, foi o período onde se esteve mais perto da detonação de um conflito mundial.

Este dualismo está presente em Apocalypse Now, seja na fotografia, na postura do protagonista ou mesmo nos dois coronéis (Kilgore e Kurtz). A fotografia é clara, com um filtro vermelho em várias cenas, o que trás para o filme um tom de sangue, mas ao mesmo tempo tem tomadas de uma escuridão fechada, apresentando um contraste forte e significativo. Tem uma atitude conservadora no discurso imperialista, mas trás uma trilha sonora com o maior representante da contra-cultura de esqueda, o rock’n roll, com The Dors e os Stones.

O dualismo estava até mesmo na escolha do final por parte do diretor, que tinha dois finais, que ele não chamou de alternativos, mas que gerariam interpretações diferentes para o que ele estava tencionando: Os créditos apareceriam sob a cena da destruição do acampamento do Cel. Kurtz por ordem do Cap. Willard, porém o diretor Coppola queria que este fosse um herdeiro pacífico de Kurtz, que após matá-lo, baixa suas armas e dá o exemplo para que todos na aldeia fizessem o mesmo, logo depois ele pega o surfista Lance pela mão e simbolicamente o reconduz a uma nova era de paz.



Conclusão

Apocalypse Now é um dos melhores filmes de guerra que já vi, talvez até por ter sido produzido num momento dual para a cultura norte-americana, mas, também, por trazer fortes elementos da contra-cultura, como a denúncia aberta do uso de drogas pelos combatentes norte-americanos e a forte presença do rock. Quando eu assisti pela primeira vez a este filme, eu não sabia nada sobre esta guerra e o achei tão surreal quanto Submarino Amarelo do Beattles. Quando se conhece melhor os detalhes do conflito, mais eu gosto desta obra, pois tenta passar o que foi este caos (mesmo que ainda com um discurso conversador), para que nos previnamos mais a mais contra este tipo de conflito.



Bibliografia

Coppola, F. F. (Diretor). (1979). Apocalypse Now [Filme Cinematográfico].
Karnal, L., & al., e. (2007). História dos Estados Unidos. São Paulo: Contexto.
Átlas da história mundial. (2001). (A. V. Lessa, & e. al., Trads.) Rio de Janeiro: Reader's Digest Brasil.
Vizentini, P. G. Guerra do Vietname. Porto Alegre: Editora da UFRS.

Notas

[1] (Lessa & al., 2001)
[2] (Vizentini)
[3] (ídem, p. 61)
[4] As forças da FLN (Frente de libertação nacional) perderam perto de 20 mil combatentes. (Vizentini)
[5] (Karnal & al., 2007, p. 241)
[6] (Coppola, 1979)
[7] Pela descrição local, bem como o fato de conduzir ao Camboja, identifiquei este rio como sendo um afluente do rio Mekong ou o próprio. (N.A.)
[8] (Coppola, 1979)
[9] (ídem)
Autor: Alexandre de Oliveira

Um comentário:

Miqueias Dias disse...

O filme The Deer Hunter também retrata alguns pontos citados.

Mais especificamente do tratamento que os soldados americanos receberam ao retornar do Vietnam, da realidade econômica que os EUA viviam naquela época e dos traumas causados pela guerra.

É um filme um tanto bizarro, na minha humilde opinião de merda, mas é muito bom e conta com um grande elenco .