segunda-feira, 4 de agosto de 2008

“Black Reconstruction”

I – Apresentação

Resenha crítica do livro “Black Reconstruction” de William E. B. Du Bois, sobre o período da Reconstrução Norte Americana (1865-1877), no enfoque da população negra. Trabalho realizado para a cadeira de América II, sob a orientação da Profa. Kátia Baggio.


II – Introdução

“Better keep your head don't forget
what your good book said Southern change
gonna come at last now your crosses
are burning fast Southern man

I saw cotton and I saw black
Tall white mansions and little shacks.
Southern man when will you pay them back?
I heard screamin' and bullwhips cracking
How long? How long?”

Trecho de Southern man, música de Neil Young, composta em 1970.
“Well, I heard Mister Young sing about her
Well, I heard ole Neil put her down.
Well, I hope Neil Young will remember
a southern man don't need him around anyhow.”

Trecho de Sweet Home Alabama, música do conjunto Lynyrd Skynyrd, composta em 1974.


Até quando? Até quando? Assim termina o brado nortista de Neil Young, em sua música Southern Man, escrita em 1970 (Southern Man), cobrando dos sulistas um pagamento pelo que eles fizeram aos negros norte-americanos durante a fase latifundiária escravista. A resposta dos sulistas veio quatro anos depois, pelas mãos e voz de Ronnie Van Zant (Ronnie Van Zant) e sua troup, o conjunto de Rock e Blues Lynyrd Skynyrd, curto e grosso, indo direto ao pondo, Van Zant diz para Niel Young que o “southern man don’t need aroud anyhow”. Uma análise simplista pode nos levar ao velho paradigma maniqueísta de se separar o bom e o ruim, o Sul escravista, onde vivem os “perversos” exploradores de escravos e os nortistas, cruzados que têm por grande objetivo a libertação dos negros, nos remetendo à historiografia pós-guerra, dominado pela visão nortista.

Talvez este tenha sido o pior conflito da história dos EUA, lançando o país num embata entre compatriotas. Durante este conflito, morreram 618.000 americanos combatentes dos dois lados. Somando-se todos os mortos norte-americanos, dos conflitos subseqüentes, até a guerra do Vietnam, temos um número menor: 559.000 mortos. Ou seja, se considerarmos o final do século XIX e meados do XX, a Guerra Civil é, de longe, o maior marco com relação a perdas. Segundo Peter Eisenberg em seu Livro A Guerra Civil Americana, existiram dois grandes motivos para a guerra, o movimento separatista, que se assemelha a movimentos ocorridos no Brasil recém-nascido como nação. O Sul dos EUA tinha a intenção de se separar do Norte, “Da mesma forma, o Governo Imperial Brasileiro teve que reprimir com armas a Confederação do Equador no Nordeste, em 1824; e a República de Piratini e a República Catarinense, criadas pela Revolução dos Farroupilhas no Rio Grande do Sul, em 1835-45.” (Eisenberg, 1990, p. 08). O outro grande motivo, e mais conhecido e comentado de todos, por todos nós: A Escravidão. Tema sempre controverso, que gera grandes leituras, releituras, contestações e concordâncias, no caso dos EUA pré-guerra, não foi diferente.

A obra de Du Bois, Black Reconstruction, faz menção a este período conflituoso, porém, antes de ser uma obra de historiografia, é um belo trabalho de sociologia, traçando um retrato dos tipos que compõem a América pouco antes do conflito. Escrito por volta de 1935, o livro apresenta os diversos grupos com suas características próprias, destacando seus interesses, necessidades e conflitos, para fazer uma síntese da guerra e o mais importante (dentro da perspectiva do autor): a Reconstrução.

É uma bela obra, principalmente para se conhecer um pouco mais deste autor, nascido em 1868, em Massachusetts, foi “filho” da reconstrução, pagando seus ecos e reminiscências. Sua obra fala por ele, forte e incisiva em alguns pontos, mas sempre ponderada e embasada.



1 – Guerra e Reconstrução: tipos envolvidos

A tipificação percebida por Du Bois, parte do trabalhador negro, passa pelo trabalhador branco e termina com o proprietário de terras, tudo isto com enfoque principal nos estados do Sul, onde estes personagens foram marcantes para a eclosão do conflito. Ele não exclui o Norte, até porque o principal reduto dos trabalhadores brancos era lá e é parte integrante e forte da sua linha investigativa. Tem uma influência marxista que fica clara pela maneira como ele contrapõe as classes, mostrando como o escravo negro e o trabalhar pobre branco se relacionam com os capitalistas do Norte e os fazendeiros[1] do Sul.

1.1 O Trabalhador Negro


Qual a importância do negro para os EUA do século XIX? Para responder a esta pergunta, Du Bois estuda a natureza do trabalhador negro e do escravo para este contexto, destacando sua importância, talvez crucial para a economia deste período, descrito pelo autor como o sustentáculo da economia sulista. Segundo o autor, o trabalhador negro, por volta de quatro milhões, foi muito importante economicamente, mas em sua grande maioria, alijado do processo político dos Estados Unidos, o que para a ética norte-americana, traduz-se num grande contra-senso, por serem eles preconizadores de uma terra livre e de oportunidades, além de um santuário da democracia contemporânea. Este número foi atingido ao longo da primeira metade do Século XIX, através do tráfico negreiro, formal e clandestino e pela reprodução. É importante sublinhar que quando se refere a trabalhador negro, Du Bois está falando de trabalhadores escravos, negros livres e mestiços afro-descendentes, de sangue branco-negro e índio-negro.

As condições de trabalho dos negros-escravos, são enfatizadas pelo autor, que segundo eles chega a ser melhor que os trabalhadores pobres da Europa, tinha casa, comida e as punições físicas e castigos não eram regra comum. Du Bois apresenta uma visão dos escravos sendo tratados razoavelmente por serem um “patrimônio” dos “planters” e eles não iriam por seu investimento a perder. Este caráter de propriedade do escravo fica explícito nos documentos citados na obra, através de expressões de posse. Além de propriedade, fica patente a idéia de um escravo infantilizado, que deve ser cuidado, como um menor incapaz ou talvez o mesmo status da mulheres na Atenas clássica, que careciam de auto-controle. Existe uma ética sulista que se apresenta como benfeitora para os negros. A importância do negro para a economia sulista reside no fato do

“Black labor became the foundation Stone not only of the Southern social structure, but of Northern manufacture and commerce, of the English factory system, of buying and selling on a world-wide scale...” (DU BOIS, 1992) p5

Ele analisa o impacto das plantations sulistas quando fizeram a substituição de gêneros como arroz e tabaco pelo algodão. Vindo na esteira da revolução industrial, elas alavancaram as manufaturas nortistas e o comercio europeu, para onde seus produtos eram exportados. As mãos de onde se iniciava o processo eram negras, escravas.

Du Bois passa a discutir o papel do negro dentro do processo eleitoral, tomadas as premissas da importância do mesmo e das bases da nação. Ele discute a interdição no direito de votar, disfranchisement, dos negros, antes da guerra civil. Alguns estados o fizeram explicitamente e outros utilizaram a técnica de voto censitário. O interessante é que em alguns estados, os negros livres tinham anteriormente direito de voto, como

“In North Caroline, where even disfranchisement, in 18335, did not apply to Negros who already had the right to vote...” (DU BOIS, 1992) p7

e outros estados, também, eram tolerantes ao sufrágio desta minoria e o autor os desfila. Muito antes de ser uma conseqüência da guerra como poderíamos ser tentados a pensar, estes direitos que existiam e foram perdidos, podem ser vistos como parte do estopim do conflito.


1.2 O Trabalhador Pobre Branco

A condição do pobre branco é bem destacada como da pior qualidade, sendo pior que a dos escravos negros, pois não eram encarados como “patrimônio” a ser cuidado e sim força de trabalho barata. Formada em sua maioria por uma massa de imigrantes e mestiços; tendo em alguns casos traços de sangue negro; esta classe formava a base de trabalho assalariada do norte. Quase sempre analfabetos, eles eram explorados ao extremo. Porém, no Sul, também havia os trabalhadores brancos, uma força mecânica livre utilizada nas plantations ou ainda em tarefas pouco valorizadas. Havia dois tipos básicos sulistas, os montanheses, os mais rústicos e em grande parte mestiços de índios e negros e os low lands, que se concentravam nas cidades e formavam, em alguns casos frágeis associações de trabalhadores livres.

Du Bois ressalta que a organização social dos trabalhadores brancos no Sul eram diferentes no Norte. Por ser mais matizado, indo dos miseráveis a alguns comerciantes, gerando uma espécie de classe média que interagia de forma clientelista com os grandes proprietários rurais, formando uma espécie de relação de clientelismo entre estes elementos. Porém, os pobres brancos do Norte e do Sul tinham uma relação conflituosa com os negros livres e também ambígua com uma possível abolição da escravidão: os negros livres seriam mais um elemento de competição no mercado de trabalho, em alguns casos um inimigo mais feroz, por aceitar trabalhar por menos.

1.3 Os Planters

Uma estatística acachapante apresenta “seven per cente of a section within a nation ruled five million white people and owned four million black people…” (DU BOIS, 1992, p. 32) e além disto fizeram da agricultura um empreendimento tão rentável quanto as indústrias do Norte.

Era uma espécie de classe de senhores feudais, reunindo brancos pobres e uma classe média em relações de interesse, inclusive com alguns brancos vivendo do comércio de escravos. Porém, grande parte dos brancos pobres viviam alijados da economia.

Os planters tinham uma posição privilegiada em relação aos capitalistas do Norte, por poderem negociar diretamente com os europeus produtos agrícolas que serviam para indústrias de base, se necessidade de beneficiamento. Esta situação, inclusive foi um dos grandes pontos de atrito antes da Guerra, pois estava desestabilizando a indústria manufatureira do Norte. Esta relação Europa Sul dos EUA, fez surgir no imaginário europeu uma tipificação do sulista como sendo um cavalheiro perfeito e educado em função de alguns representantes comerciais mais educados que faziam o intercâmbio. Segundo o autor a realidade era exatamente o contrário, pois em sua maioria não tinham estudo. Não tinham interesse na libertação dos escravos, muito pelo contrário, eram os negros que asseguravam esta máquina produtiva e o lucro dos grandes proprietários.


2) O Conflito e a abolição da escravidão (1860-1865)

Durante a Guerra Civil, Du Bois mostra a visão que os negros sulistas tinham dos envolvidos no conflito, enfoca muito mais os aspectos culturais que políticos neste contexto. Ele destaca um papel dos nortistas que os próprios protagonistas não tinham consciência,

“When Northern armies entered the South they became armies of emancipation. It was the last thing they planned to be. The North did not propose to attack property. It did not propose to free slaves. This was to be a white man’s war to preserve the Union, and the Union must to be preserved.” (DU BOIS, 1992, p. 55)

Com o correr do conflito, porém, o discurso do abolicionismo foi incorporado à propaganda oficial do Norte, um discurso que, como pudemos verificar pelos personagens envolvidos, não era uníssono. O Norte estava dividido, em estados e entre as classes. Como vimos anteriormente, os trabalhadores livres, por exemplo, não queriam este fim com medo da concorrência. Num primeiro momento, também os capitalistas do Norte não queriam desmontar a aristocracia sulista, por uma conveniência econômica, pois lucravam com o algodão vindo de lá, só queriam garantir que este viria e não seria entregue para a Europa.

A incorporação deste discurso foi levada a cabo pelo Norte de forma intensa, passando este a ser a principal bandeira dos líderes de lá. O próprio exército do Norte utilizou soldados negros em suas fileiras, prometendo, inclusive liberdade para negros do Sul que se juntassem a sua causa. Este discurso e as atitudes vieram a corroborar a abolição. Tanto que ao final da guerra, a conseqüência direta da vitória nortista foi a discussão em torno da abolição.


3) Reconstrução

Apesar de ter um exército mais bem preparado, a guerra foi perdida pelos planters, muito em função da sua postura escravista, mas não por ser origem do acontecimento, mas por ter sido incorporado a um discurso generalizado. Uma demonstração da importância deste foi o assassinato de Abraham Lincoln no dia 21 de abril de 1865, logo após o final do conflito. Interrogado sobre os motivos, o autor do crime cita a questão da abolição, dizendo que este pais foi fundado e sustentado por brancos e não por negros livres (DU BOIS, 1992).

Olhando para frente, o país estava dividido entre duas possibilidades de caminho para uma reconstrução.



Bibliografia

DU BOIS, W. E. (1992). Black Reconstruction. New York: Atheneum.
EISENBERG, P. V. (1990). Guerra Civil Norte Americana e Reconstrução. São Paulo.
Ronnie Van Zant. (n.d.). Retrieved Maio 15, 2007, from Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Ronnie_Van_Zant
Southern Man. (n.d.). Retrieved Maio 15, 2007, from Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Southern_Man
YOUNG, N. (Composer). (1970). Southern Man. Estados Unidos da América.
ZANT, R. V. (Composer). (1974). Sweet Home Alabama. [L. Skynyrd, Performer] Estados Unidos da América.



[1] Sei que posso estar cometendo uma falha grave ao chamar os Planters sulistas de fazendeiros, pois este termo empobrece a idéia que tem por traz daquele. Mesmo assim, ousei fazer isto por uma questão de objetividade. (N.A.)

Autor: Alexandre de Oliveira

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